
Ano 2 | Março de 2025
Manoel Bandeira e a Casa do Vira-Saia em Ouro Preto

“...Mas Ouro Preto não é só o Palácio dos Governadores,
A Casa dos Contos,
A Casa da Câmara,
Os templos,
Os chafarizes,
Os nobres sobrados da Rua Direita.
Ouro Preto são também os casebres de taipa de sopapo,
Aguentando-se uns aos outros ladeira abaixo,
O casario do Vira-Saia,
Que está vira-não-vira enxurro,
E é a isso que precisamos acudir urgentemente!”
Neste trecho de um poema do livro Guia de Ouro Preto (1938), de Manuel Bandeira, o poeta modernista chamou atenção para a situação do monumento que, na época, já estava em risco: o casarão do Vira-Saia, na ladeira de Santa Efigênia, em Ouro Preto.
O imóvel, erguido no século XVIII, pertenceu ao lendário Antônio Francisco Alves, um negociante que também chefiava um grupo de assaltantes que interceptava as tropas que transportavam ouro das Minas para o Rio de Janeiro.
Para os monarcas portugueses, Antônio Francisco era um fora-da-lei bastante perigoso, mas era visto pelos habitantes da vila como um grande benfeitor, pois, com os saques cometidos contra a Coroa, ele ajudava os mais necessitados. Era como Robin Hood, a figura lendária da Inglaterra medieval, aquele que roubava dos ricos para dar aos pobres. Sua casa servia como ponto estratégico do bando, que fazia uso de um código interessante: em um oratório bem próximo dali, eles “viravam a santa” para indicar o caminho dos carregamentos de ouro, daí o nome, Bando do Vira-Saia.

O Oratório do Vira-Saia, em frente ao casarão onde os saqueadores se reuniam (Foto: Marcel Gautherot - 1963)
Ao ser descoberto, Antônio Francisco Alves, sua esposa e suas duas filhas foram brutalmente executados e a narrativa sobre a casa na ladeira de Santa Efigênia destaca muitos mistérios. Segundo a historiadora Angela Leite Xavier, em seu livro Tesouros, Fantasmas e Lendas de Ouro Preto, os relatos incluem um túnel selado, um esqueleto emparedado e as ações noturnas de salteadores que assustavam a população com aparições fantasmagóricas enquanto roubavam. Até hoje, lendas de almas penadas e manifestações sobrenaturais permeiam aquelas bandas

Oratório e casarão do Vira-Saia, durante as chuvas de 2022. Foto: Redes
Apesar do alerta lançado pelo poeta Manuel Bandeira, em 1938, só em 2015 a edificação recebeu escoramento emergencial. Em outubro de 2021, o imóvel foi declarado de utilidade pública e a desapropriação foi quitada por meio de depósito judicial no valor de R$ 1 milhão e meio, sendo R$ 1 milhão com recursos da Educação e R$ 500 mil da Cultura. Em 2023, os projetos de restauro já estavam prontos quando fortes chuvas castigaram Ouro Preto e parte da Casa do Vira-Saia desabou.
Finalmente, em dezembro de 2024, a Prefeitura de Ouro Preto firmou um convênio com a Organização das Cidades Brasileiras Patrimônio Mundial (OCBPM) para obras de restauro do casarão. O acordo prevê um investimento de R$ 1,3 milhão para a revitalização do imóvel e o projeto inclui espaços de cultura, arte, educação e a criação de um Centro de Interpretação Cultural e Turismo, que oferecerá uma nova abordagem para visitantes ao promover experiências interativas com as histórias locais.
Será, sem dúvida, um espaço bastante oportuno para celebrar, em 2026, os 140 anos do poeta Manuel de Sousa Carneiro Bandeira Filho, que nasceu em 19 de abril de 1886 e foi um dos fundadores do Modernismo brasileiro.
Afinal, foi ele o primeiro a chamar atenção para a importância de garantir a integridade da Casa do Vira-Saia, em Ouro Preto.

"Meus Amigos, meus Inimigos
Salvemos Ouro Preto"
Manoel Bandeira (1886- 1968)