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Sala de Cinema

Leandro Andrade
Leandro Andrade Cardoso - Geógrafo, historiador, poeta, autor de Às Musas e às Cinzas (Penalux, 2014) e professor da rede municipal de Ouro Preto, MG.
Oscar_2025

OSCAR 2025: UM PASSO À FRENTE, DOIS ATRÁS

Leandro Andrade para Revista Mundaréu, 3 fevereiro 2025
 

Na noite do último domingo, 02 de março, contrariando os pedidos de Fernanda Torres, os brasileiros viveram momentos de Copa do Mundo, acompanhando em casa, ou em bares, restaurantes e ruas lotados, a cerimônia do Oscar 2025. Finalmente um filme brasileiro foi premiado na categoria de Melhor Filme Internacional (que de sua criação em 1957 até 2020 era chamada de Melhor Filme Estrangeiro), 61 anos depois de o Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, ser o primeiro filme brasileiro a disputar um Oscar nesta categoria. Na ocasião, o Brasil perdeu o prêmio para o filme francês Sempre aos Domingos (Les dimanches de Ville d'Avray), dirigido por Sergei Bourguignon.

Após um “jejum” de 33 anos, o Brasil seria indicado nesta categoria em outras 3 ocasiões (em 1996 com O Quatrilho; em 1998 com O que é isso Companheiro?; e em 1999 com Central do Brasil), mas perdendo em todas elas. Até que, após um novo “jejum”, dessa vez de 26 anos, um filme brasileiro fosse novamente indicado nesta categoria, em 2025. A título de comparação, a Itália é o país com o maior número de filmes premiados nesta categoria do Oscar, sendo 14 ao todo, incluindo aquele vencido por A Vida é Bela (La Vita è Bella) em 1999, no lugar de Central do Brasil; enquanto a França é o país com o maior número de filmes (37, para ser exato) indicados nesta categoria, incluindo aí o polêmico Emilia Perez, que vinha sendo a pedra no caminho do Brasil na temporada de prêmio de 2025. Dessa vez vencemos, e a tão cobiçada estatueta dourada foi parar nas mãos de Walter Salles, que décadas antes havia realizado Central do Brasil. Em 1999 e em 2025 o Brasil também fazia história no cinema com Fernanda Montenegro e Fernanda Torres – mãe e filha - concorrendo ao prêmio de Melhor Atriz.

No entanto, em 2025, ganhamos o prêmio de Melhor Filme Internacional, mas perdemos Melhor Atriz, como era esperado. O que ninguém esperava era que perdêssemos nessa categoria para uma concorrente em começo de carreira, com uma carreira até o momento incipiente, numa atuação que é apenas correta, nada extraordinária. A surpreendente vitória de Mickey Madison, protagonista de Anora, se deu em detrimento de concorrentes muito mais merecedoras, seja porque tiveram interpretações melhores, ou porque tinham carreiras mais relevantes. 

Por todos esses elementos, o prêmio de Melhor Atriz no Oscar 2025 para Mickey Madison guarda muitas semelhanças com escolha de Gwyneth Paltrow como Melhor Atriz pelo filme Shakespeare Apaixonado em no Oscar de 1999. Décadas antes, em 1951 o Oscar deu o prêmio de Melhor Atriz para até então desconhecida (e hoje esquecida) Judy Holliday pelo filme Nascida Ontem (Born Yesterday), no lugar das lendárias Glória Swanson por Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard) ou Bette Davis por A Malvada (All About Eve).

Curiosamente, Crepúsculo dos Deuses contava a história de uma lendária atriz do cinema mudo que havia caído no ostracismo com a velhice; enquanto A Malvada contava a história de uma veterana atriz de teatro que tinha “o tapete puxado” por uma atriz mais jovem e ambiciosa. Portando, tratam-se de filmes que, mais de 70 anos atrás, já tocavam no mesmo ponto que A Substância (The Substance). Me arrisco a dizer que a novata Mickey Madison sendo laureada no lugar de Demi Moore, acaba precisamente provando o ponto crucial levantado por este filme estrelado por Demi Moore. Quem já o assistiu, irá entender.

Quem se lembra quando Jennifer Lawrence, então com 20 anos, em seu 10º filme, venceu o Oscar de Melhor Atriz em 2013 por O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook), desbancado a veterana Emmanuele Riva, indicada por Amor (Amour), 86 anos, 58 de carreira e mais de 30 filmes no currículo? Pois é... Mas, estamos em 2025 e parece que nada mudou, pois o etarismo continua dando o tom em Hollywood, a julgar pela escolha de Mickey Madison, de 25 anos, 9 filmes, em vez e Demi Morre, 62 anos de idade, 44 de carreira, mais de 50 filmes, até então favorita ao prêmio; ou mesmo Fernanda Torres, 59 anos, 42 de carreira, mas de 20 filmes no currículo.

Para além do fato de ser um prêmio criado pela indústria de cinema dos Estados Unidos para (com raríssimas exceções) adular a si mesma e prestigiar “os santos de casa”, o Oscar é assim: no ano em que corrige uma injustiça, premiando finalmente um filme brasileiro, ele comete mais uma (a lista é longa), premiando Mickey Madison como Melhor Atriz. Além do merecidíssimo prêmio dado a Ainda Estou Aqui, o Oscar 2025 teve outros acertos pontuais, como o prêmio de Melhor Documentário indo para o brilhante, necessário e impactante filme Sem Chão (No Other Land), dirigido por um palestino e um israelense, que retrata as atrocidades cometidas pelo estado de Israel contra a população palestina na Cisjordânia; ou o prêmio de Melhor Animação indo para o filme Flow (Straume), da Letônia, que rejeita todas as fórmulas das animações tradicionais para criar uma obra poética e inovadora.

Porém, o que dizer da ausência de Denis Villeneuve por Duna Parte 2 (Dune Part 2) entre os indicados a Melhor Diretor em 2025? Ou das 13 inexplicáveis indicações ao equivocado, estereotipado, preconceituoso e irregular Emilia Perez? Ou a ausência de filmes como o indiano Tudo o que Imaginamos com Luz (All We Imagine As Light) entre os concorrentes a Melhor Filme Internacional? Ou o prêmio de Melhor Filme indo para Anora em vez de Conclave, O Brutalista (The Brutalist) ou Reformatório Nickel (Nickel Boys)? O lema da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, responsável por conceder anualmente os prêmios Oscar, parece ser "um passo à frente, dois atrás". Ou, parafraseando a obra-prima dos irmãos Coen, o filme No Country for Old Man - que no Brasil ganhou o título de Onde os Fracos não Tem Vez - poderíamos dizer que no Oscar “there’s no awards for old women”, ou, traduzindo com liberdade poética, “onde veteranas não tem vez”. Qualquer semelhança com os relacionamentos amorosos de Leonardo DiCaprio não é mera coincidência.

Cartazes Ainda Estou Aqui

AINDA ESTOU AQUI - E ME LEMBRO!

Leandro Andrade para Revista Mundaréu, 3 fevereiro 2025


Para além do tocante drama humano vivido por Eunice e seus filhos; para além da urgência de se falar dos horrores da Ditadura Militar - de cujo retorno estivemos à beira, na intentona golpista de 8 de Janeiro de 2023 - e de se fazer justiça às suas vítimas; para além da brilhante atuação de Fernanda Torres, construída com minúcia e sutileza, merecedora se todos as láureas; o filme de Walter Salles é uma obra-prima porque se constrói sobre uma dialética de elementos opostos e complementares, profunda e precisamente delineados ao longo de todo filme. Elementos esses que, em última instância, são representados, simbolicamente, pelos personagens de Eunice e Rubens.

Rubens é a ausência, a falta, a privação, que se faz presente em toda a narrativa, permeando-a qual um fantasma e que se manifesta, por exemplo, na falta do choro no rosto de Eunice, sempre contido, preso, ausente (externamente), embora presente (internamente). Essa ausência, essa falta, essa privação, são palpáveis na casa que se torna vazia de luz, de calor, de amigos, e risos, quando Rubens é levado. Mas essa ausência, essa falta, essa privação, são também o inimigo difuso contra qual Eunice luta: o esquecimento e o silenciamento que a todo tempo espreitam. Como disse Chico Buarque: "Pai, afasta de mim esse cale-se!".

Eunice, representa o oposto da falta, pois é ela que permanece ali, para que sua família não desmorone, cuidando para a inocência de seus filhos não seja violentada pelo horror que os circunda. Eunice é a presença, mas é também a memória que tenta reorganizar o passado (as fotos que ela diz o tempo todo que precisa colocar em ordem, nomear, são uma metáfora desse impulso inconsciente), para que ele não desvaneça, para que ele não se repita. É a memória que é presença, pois a lembrança evita que o passado se ausente. Eunice é também a presença da consciência, a presença do "saber o que aconteceu", envolta num escuro nevoeiro de silenciamento, de censura, de opressão, que aquele período tenebroso de nossa história impôs sobre todo o país. Mesmo assim, o filme consegue transformar o silêncio em eloquência e inundar a tela com vazios que preenchem memórias - as nossas e as seus dos personagens.

Esse pesadelo sombrio ganha tanto mais peso, em decorrência de contraste que é construído pelo roteiro, pela direção e pela fotografia, na medida em que ele aparece como que se chocando com a primeira parte da narrativa, tão dialeticamente oposta, com sua luminosidade, seu calor, sua vivacidade, seus risos, seus excessos, ao pesadelo que sobrevirá. É também nesta dialética entre a vida e a morte, a luz e as trevas, representados, respectivamente, pela família Paiva em contraposição à Ditadura Militar, que o filme estrutura sua narrativa. A vida que pulsa na casa (esta, também um personagem da história) antes de Rubens ser levado para nunca mais, é bruscamente interrompida pelas trevas de um regime tirânico que parece querer devorar a todos. Casa que aparece sempre cheia no começo, e depois (numa das cenas mais lindas e emblemáticas do filme) completamente vazia no final.

Do mesmo modo que as trevas são a ausência de luz e a morte é ausência de vida, o regime militar que se instalou no Brasil de 1964 a 1985 significa - ao contrário do que os seus entusiastas afirmam em bordões vazios - a ausência de todos os valores sociais e familiares que merecem ser defendidos e valorizados: o respeito, a cumplicidade, o companheirismo, a amizade, a ternura, a proteção, o aconchego, a descontração, a segurança, o zelo, a alegria. Valores estes que naquela família pulsavam, até que foram subitamente podados.

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